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Capítulo 11

Quando o povo via o quanto os frades exultavam em suas tribulações, insistiam devotamente na oração e tinham o maior amor entre si, pelo qual eram reconhecidos como verdadeiros discípulos do Senhor. Muitos ficavam de coração compungido e os procuravam para pedir desculpas pelas ofensas feitas. Eles os perdoavam de todo o coração, dizendo: “Deus vos perdoe” e os admoestavam saudavelmente acerca da salvação. Alguns rogavam aos irmãos que os recebessem em sua companhia.
Todos os dias eram solícitos para orar e trabalhar com as próprias mãos e, assim, afastar absolutamente toda ociosidade, inimiga da alma. Levantavam-se dedicadamente à meia-noite e oravam com muita devoção. Cada qual servia e nutria o outro como uma mãe com seu filho único e dileto. Ardia neles tanta caridade, que lhes parecia fácil entregar seus corpos à morte, não só por amor de Cristo, mas também pela salvação da alma ou do corpo de seus confrades.
Por isso, um dia, quando dois desses irmãos iam juntos, encontraram um louco que começou a atirar-lhes pedras. Vendo um deles que as pedras iam ferir o outro, logo se colocou à frente, preferindo que as pedras o atingissem e não ao outro irmão, por causa da mútua caridade em que ardiam: assim estavam prontos a dar a vida um pelo outro. Estavam tão fundamentados e arraigados na humildade e na caridade, que um reverenciava o outro como pai e senhor e, aqueles que se destacavam por ofício do cargo ou por algum dom natural, pareciam mais humildes e vis que os outros.
Todos também se ofereciam para obedecer, preparando-se sempre para a vontade de quem mandava. Não faziam distinção entre preceito justo ou injusto, porque tudo o que era ordenado julgavam conforme a vontade do Senhor. Assim, observar os preceitos era para eles fácil e suave. Abstinham-se dos desejos carnais, julgando cuidadosamente a si mesmos e tomando cuidado para que um não ofendesse ao outro. E se acontecia alguma vez de um dizer ao outro qualquer palavra que o pudesse perturbar, tanto lhe remordia a consciência que não podia descansar até que não dissesse a sua culpa, prostrando-se no chão, humildemente. Assim esforçavam-se por afastar todo rancor e malícia, para que fosse conservada a perfeita caridade entre eles, empenhando-se quanto podiam por opor a cada vício uma virtude, com o impulso e o auxílio da graça de Jesus Cristo. Além disso, nada reivindicavam como próprio, mas usavam em comum os livros e outras coisas recebidas, segundo a forma transmitida e mantida pelos apóstolos. Embora houvesse verdadeira pobreza neles e entre eles eram, contudo, pródigos com todas as coisas que Deus lhes concedia.
Quando iam pela estrada e encontravam pobres pedindo alguma coisa por amor de Deus, não tendo o que oferecer, davam alguma parte de suas roupas, embora de nenhum valor. Às vezes davam o capuz, separando-o da túnica, outras vezes a manga e alguma vez outra parte, descosturando-a da túnica para cumprirem aquilo do Evangelho: “Darás a todos que te pedir”.
Pediam os companheiros a Francisco para não serem enviados às terras de onde eram oriundos, a fim de fugirem à familiaridade e convivência com seus consanguíneos. Regozijavam-se continuamente no Senhor, pois não tinham dentro de si por que se contristar com alguma coisa. De fato, quanto mais separados do mundo, mais estavam unidos a Deus. Seguindo o caminho da cruz e as sendas da justiça, removiam os obstáculos do caminho estreito da penitência e os tropeços da observância evangélica, a fim de que se tornasse via plana e segura para os que viessem depois.

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