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Capítulo 16

Quando se completaram onze anos desde o começo da religião e os frades se haviam multiplicado em número e mérito, elegeram-se ministros e foram enviados com alguns frades pelas diversas províncias do mundo em que a fé católica é cultivada e observada. Eram recebidos em algumas províncias e de outras eram expulsos na suposição de serem homens infiéis porque, embora o Senhor Papa Inocêncio III tivesse aprovado a Ordem e a Regra, não as havia ainda confirmado por uma carta sua. Por esse motivo, os irmãos foram obrigados a fugir de várias províncias e, assim, angustiados e aflitos, e também espoliados e espancados por ladrões, voltaram com grande amargura ao bem-aventurado Francisco. Tinham sofrido isso na Alemanha, na Hungria e em muitas outras regiões. Quando notificado ao referido senhor cardeal, ele convocou o bem-aventurado Francisco e o levou ao senhor Papa Honório, pois o senhor Inocêncio já tinha morrido. E fez com que outra Regra, composta pelo bem-aventurado Francisco por inspiração de Cristo, fosse solenemente confirmada pelo mesmo senhor Honório, com uma bula pendente. Nessa Regra se prolongou o tempo do capítulo, para facilitar aos irmãos que habitavam em remotas regiões.
O bem-aventurado Francisco se propôs também a pedir ao Senhor Papa Honório, um dos cardeais da Igreja Romana, que fosse como o papa de sua Ordem. De fato o bem-aventurado Francisco tivera uma visão que pode tê-lo induzido a pedir um cardeal e a colocar a Ordem sob a proteção da Igreja Romana. Pois vira uma galinha pequena e preta com as pernas emplumadas e as patas como as de uma pomba doméstica, com tantos pintinhos que não podia juntar a todos debaixo das asas, mas os que ficavam fora andavam ao redor da galinha. Acordando, pôs-se a pensar sobre o significado da visão e, pelo Espírito Santo, soube que estava representado simbolicamente por aquela galinha, e disse: “Eu sou essa galinha, pequeno de estatura e negro por natureza, que tenho que ser simples como uma pomba e voar para o céu com os afetos alados. O Senhor, por sua misericórdia, deu-me e dar-me-á muitos filhos, que não poderei proteger só com minha força. Portanto, é necessário que os recomende à santa Igreja, que os proteja à sombra de suas asas e os governe.
Poucos anos depois dessa visão, foi a Roma e visitou o Senhor Bispo de Óstia. Este ordenou-lhe que, na manhã seguinte, fosse com ele à Cúria, pois desejava que fizesse uma pregação diante do senhor Papa e dos cardeais e lhes recomendasse, devota e afetuosamente, sua Ordem. Embora o bem-aventurado Francisco se escusasse, dizendo que era simples e ignorante, teve que ir com ele à Cúria. Quando o bem-aventurado Francisco se apresentou diante do Senhor Papa e dos cardeais, foi visto por eles com grande alegria. Levantou-se e pregou-lhes como havia sido instruído unicamente por inspiração do Espírito Santo. Terminada a pregação, recomendou sua religião ao senhor Papa e a todos os cardeais. O senhor Papa e os cardeais ficaram enormemente edificados com a sua pregação e suas entranhas se moveram mais afetuosamente ao amor da religião.
Em seguida disse o bem-aventurado Francisco ao Sumo Pontífice: “Senhor, compadeço-me de vós pela solicitude e trabalho contínuo com que deveis velar sobre a Igreja de Deus, e muito me envergonho que tenhais tanta preocupação e solicitude por nós, irmãos menores. De fato, enquanto muitos nobres e ricos e numerosos religiosos não podem chegar a vós, grande deve ser o nosso receio e vergonha, pois somos os mais pobres e desprezíveis entre todos os religiosos, já não digo por comparecer perante vós, mas por estar à vossa porta e ter a presunção de bater ao tabernáculo da fortaleza dos cristãos. Portanto, suplico humilde e devotamente a Vossa Santidade que vos digneis conceder-nos o Senhor Bispo de Óstia como pai, para que os irmãos possam recorrer a ele no tempo da necessidade, salva sempre a preeminência de vossa dignidade”. Esse pedido agradou ao Senhor Papa, que concedeu ao bem-aventurado Francisco o Senhor Bispo de Óstia, instituindo-o sobre a sua religião como digníssimo protetor.
Este, recebendo o mandato do Senhor Papa, estendeu a mão como um bom protetor para defender os frades, escrevendo a muitos prelados que tinham feito perseguição aos frades para que não fossem mais contrários a eles, mas antes lhes dessem conselho e auxílio para pregar e morar em suas províncias, como a bons e santos religiosos aprovados pela autoridade da Sé Apostólica. Da mesma forma, muitos outros cardeais escreveram cartas com o mesmo objetivo. Por isso, no capítulo seguinte, o bem-aventurado Francisco concedeu licença aos ministros para receberem irmãos na Ordem e enviou-os às mencionadas províncias, levando cartas dos cardeais juntamente com a Regra confirmada pela bula apostólica. Vendo tudo isso e conhecendo os testemunhos dados pelos irmãos, os prelados liberalmente concederam-lhes edificar, morar e pregar em suas províncias. Assim, com os frades morando e pregando naquelas províncias, muitos, vendo seu comportamento humilde e santo, e ouvindo suas palavras que moviam e inflamavam as mentes para o amor de Deus e para fazer penitência, vieram a eles e receberam o hábito de sua santa religião, com fervor e humildade.
Ao ver o bem-aventurado Francisco a confiança e o amor que o Senhor Bispo de Óstia tinha para com os irmãos, amava-o afetuosamente de todo coração. E como por prévia revelação de Deus sabia que ele seria sumo pontífice, sempre lhe prenunciava isso nas cartas que lhe escrevia, chamando-o pai de todo o mundo. Pouco tempo depois, tendo morrido o Senhor Papa Honório III, o Senhor de Óstia foi eleito Sumo Pontífice, chamado Gregório IX, o qual até o fim da vida foi o principal benfeitor e defensor dos irmãos e dos outros religiosos, especialmente dos pobres de Cristo. Por isso se crê, não sem razões, que tenha sido acolhido entre os santos.

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