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Capítulo 9

Enquanto Bernardo distribuía os seus bens aos pobres, estava Francisco a observar com alegria a virtuosa obra do Senhor na vida de seu amigo. Chegou então um certo sacerdote chamado Silvestre, de quem o bem-aventurado Francisco havia comprado pedras para a reparação da Igreja de São Damião e, vendo todo aquele dinheiro sendo gasto por conselho do homem de Deus, aceso no fogo da cobiça, disse-lhe: “Francisco, não me pagaste bem pelas pedras que me compraste”. Ouvindo o desprezador da avareza murmurar injustamente, aproximou-se do Senhor Bernardo e, colocando a mão dentro de seu manto, com grande fervor de espírito, tirou-a cheia de moedas e deu-as ao presbítero queixoso. E enchendo outra vez a mão de moedas, perguntou-lhe: “Estás bem pago agora, senhor sacerdote?”. Este respondeu: “Plenamente, irmão”. E, alegre, voltou à sua casa com o dinheiro assim recebido. Poucos dias depois, o mesmo sacerdote, inspirado por Deus, começou a pensar sobre o que o bem-aventurado Francisco tinha feito e dizia consigo mesmo: “Não sou eu um homem miserável que, sendo velho, cobiço e procuro as coisas deste mundo, enquanto este jovem, por amor de Deus, os despreza e aborrece?
Na noite seguinte, Silvestre viu, em sonho, uma cruz imensa, cuja ponta tocava os céus, o pé estava fincado na boca de Francisco e os braços estendiam-se de uma parte a outra do mundo. Ao despertar, o sacerdote reconheceu e creu firmemente que Francisco era verdadeiramente amigo e servo de Cristo e que a vocação que ele havia abraçado logo se espalharia pelo mundo inteiro. Assim, começou a temer a Deus e a fazer penitência em sua casa. Enfim, depois de pouco tempo, entrou na Ordem já iniciada, na qual viveu otimamente e morreu gloriosamente.
O homem de Deus, Francisco, tendo já a companhia de alguns irmãos, e não dispondo de morada onde permanecer com eles, transferiu-se com os mesmos a uma pequena igreja, pobrezinha e abandonada, chamada Santa Maria da Porciúncula, e ali fizeram uma cabana onde morassem juntos de vez em quando. Alguns dias depois, um homem assisense, chamado Egídio, veio ter com eles e, com grande reverência e devoção, de joelhos, rogou ao homem de Deus que o recebesse em sua companhia. Como o homem de Deus viu que ele era fidelíssimo e devoto, e que poderia alcançar muita graça de Deus, como depois se viu de fato, recebeu-o de boa vontade. Passados poucos dias, vieram a eles mais três homens de Assis: Sabatino, Moorico e João de Capela, suplicando ao bem-aventurado Francisco que os recebesse como irmãos. E ele os recebeu, humilde e bondosamente.
Mas quando iam pela cidade pedindo esmolas, mal havia quem dava-lhes alguma coisa; xingavam-os dizendo que tinham deixado as suas coisas para comer as dos outros, e por isso passavam a maior penúria. Numa das Regras de Vida escritas por Francisco anos depois, assim exortou: “Nós que tudo deixamos, guardemo-nos de perder o reino dos céus por tão pouco”.

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