
SÃO FRANCISCO DE ASSIS
26 de setembro de 1182
3 de outubro de 1226


Capítulo 6
Após a visão e fala do Crucificado, Francisco levantou-se alegre, fazendo o sinal da cruz, montou a cavalo e pegou panos de diversas cores, indo para a cidade de Foligno e, tendo aí vendido o cavalo e tudo que levara, voltou logo para a igreja de São Damião. Ao encontrar um sacerdote pobrezinho, beijou sua mão com grande fé e devoção e lhe ofereceu o dinheiro que levava, contando direitinho o seu propósito. O sacerdote, admirado de sua súbita conversão, recusava-se a acreditar nisso e, achando que estava sendo enganado, não aceitou o dinheiro. Mas Francisco procurava fazer com que ele acreditasse em suas palavras e pedia que lhe permitisse morar com ele. O sacerdote concordou quanto à morada, mas, por medo dos parentes, não recebeu o dinheiro.
Enquanto Francisco morava nesse lugar, o pai, como cuidadoso explorador, dava voltas para saber o que tinha acontecido com o filho. Quando soube que ele estava tão mudado e morava de tal forma no referido lugar, foi tocado por uma dor interna no coração, e conturbado por aquela mudança inesperada, convocou amigos e vizinhos e se dirigiu rapidamente para ele. Francisco, como era um novo soldado de Cristo, quando ouviu as ameaças dos perseguidores e percebeu que estavam chegando, deixou que a ira paterna extravasasse e foi para uma cova que tinha preparado para isso, ficando escondido por um mês inteiro. Enquanto isso orava ao Senhor, no jejum e no pranto. Não confiando na sua força e habilidade, lançou sua esperança totalmente no Senhor.
Encorajado pela divina luz, saiu da cova e tomou o caminho de Assis, sem preguiça, rápido e alegre. Munido das armas da confiança em Cristo e abrasado pelo calor divino, expõe-se abertamente às mãos e aos golpes dos perseguidores. Quando o viram, aqueles que antes o haviam conhecido injuriavam-no sem compaixão, chamando-o de insano e demente. Vendo-o tão mudado dos antigos costumes e acabado pela mortificação da carne, atribuíam tudo o que fazia ao esgotamento e à loucura. Mas o soldado de Cristo, não quebrado nem mudado por nenhuma injúria, dava graças a Deus.
Como corresse esse boato sobre ele pelas praças e becos da cidade, chegou finalmente ao pai que, ao ouvir que os seus concidadãos faziam tais coisas contra ele, levantou-se imediatamente para buscá-lo como um lobo irado e lançou impiedosamente as mãos contra Francisco. Então, arrastou-o para casa e o manteve por muitos dias trancado num cárcere tenebroso. Ele, porém, sem se abalar por palavras, sem se cansar pelo cárcere ou pelos açoites, suportando tudo com paciência, tornava-se ainda mais pronto e mais forte para realizar seu santo propósito.
Como seu pai saiu de casa por urgente necessidade, a mãe, que ficou sozinha com ele, não aprovando o procedimento de seu marido, dirigiu-se ao filho com meigas palavras. Não conseguindo demovê-lo de seu santo propósito, profundamente comovida com ele, quebrou as correntes e deixou que fosse embora. Ele, dando graças a Deus onipotente, voltou ao lugar onde estivera antes, gozando maior liberdade, como quem fora provado pelas tentações do demônio, tirando delas maior experiência. Nesse meio tempo o pai voltou e, não encontrando o filho, correu ao palácio da comuna queixando-se do filho diante dos cônsules da cidade e pedindo que o obrigassem a restituir o dinheiro que levara, espoliando a casa. Os cônsules, vendo-o tão perturbado, por meio de mensageiro, intimam ou convocam Francisco a comparecer diante deles.
Francisco, respondendo ao mensageiro, disse que pela graça de Deus já tinha sido libertado e não se submetia mais aos cônsules, porque só era servo do Deus Altíssimo. Os cônsules, por sua vez, não querendo forçá-lo, disseram ao pai: “Desde que se pôs ao serviço de Deus, subtraiu-se ao nosso poder”. Vendo o pai que nada conseguia junto aos cônsules, propôs a mesma reclamação diante do bispo da cidade. O bispo, porém, discreto e sábio, chamou-o para comparecer a fim de responder à demanda do pai.
Francisco assim respondeu ao enviado: “Ao Senhor Bispo irei, porque ele é pai e senhor das almas”. Foi, então, ao bispo, que o recebeu com grande alegria. E o bispo disse: “Teu pai está muito irritado e escandalizado contigo. Por isso, se queres servir a Deus, devolve-lhe o dinheiro que tens. Como provém provavelmente de bens injustamente adquiridos, Deus não quer que o empregues em obras da igreja, por causa dos pecados de teu pai, cujo furor vai se acalmar quando o receber. Tem, pois, filho, confiança no Senhor. Não tenhas medo porque Ele será o teu auxílio e para as obras de sua igreja dar-te-á abundantemente o que for necessário”.
O homem de Deus levantou-se alegre e confortado pelas palavras do bispo e, apresentando-lhe o dinheiro, disse: “Meu pai, quero devolver-lhe com alegria não somente o dinheiro que lhe pertence, mas também as roupas”. Entrando na sala do bispo, Francisco tirou todas as suas roupas e, colocando o dinheiro em cima delas, saiu nu e disse: “Ouvi todos e entendei: até agora chamei de pai a Pedro de Bernardone, mas, como me propus servir a Deus, devolvo-lhe o dinheiro pelo qual estava perturbado e todas as roupas que dele recebi, pois agora quero dizer: Pai nosso que estás nos céus, e não Pai Pedro de Bernardone”.
O pai levantou-se, extremamente magoado e enfurecido, e recebeu o dinheiro e todas as vestes. Enquanto as levava para casa, os que tinham assistido à cena indignaram-se contra ele, por não ter deixado ao filho nada de suas roupas. Mas, movidos de compaixão começaram a chorar fortemente por Francisco. O bispo, porém, dando diligente atenção ao ânimo de Francisco, acolheu-o, pois percebia abertamente que os seus gestos provinham de um conselho divino.